A Paixão segundo G.H — Clarice Lispector

fernanda araruna
2 min readApr 23, 2024

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Uma reflexão sobre a essência de Clarice Lispector para as telas no cinema.

A Paixão Segundo G.H. Direção de Luiz Fernando Carvalho. Brasil: Paris Filmes, 2023. Cinema.

Ao sair da sala de cinema após assistir ao filme, estava extasiada, como se tivesse gritado o tempo todo sem parar. A combinação da escrita de Clarice e da interpretação de Maria Fernanda foi harmoniosa.

“O filme A paixão segundo G.H da Clarice, se parece mais com um videobook.”

A pergunta é: por que não poderia ser?

Considerar que simplesmente transpor o texto para a tela é uma atitude preguiçosa, justificada somente pela ideia de que se trata de outra linguagem, isso é superficial.

O livro em questão é um romance que escapa à definição convencional de romance literário. Nele, não se encontram diálogos nem uma narrativa épica. Clarice conseguiu “expressar o indizível”, explorando a linguagem com fluxos de pensamentos, de maneira filosoficamente poética, muitas vezes sem uma sequência lógica ou uma organização clara. É preciso tempo e paciência para absorver sua essência. Quando se menciona que esse filme “não é um filme, é um audiobook/videobook”, percebe-se uma semelhança com a ideia de que o livro não se enquadra no gênero de romance.

Adaptar uma obra sem diálogos ou grandes momentos de ação é um desafio significativo — qual a melhor forma de adaptar uma obra sem diálogos ou cenas de ação? –, pois a rapidez das falas dificulta a compreensão e reflexão, especialmente para quem não leu o livro. Inserir diálogos e ações iriam contra a essência da obra literária. É importante não se prender aos padrões tradicionais do cinema, teatro e literatura, pois suas interpretações são ilimitadas. Clarice, em especial, aborda temas complexos como a mente, metáforas, o ser humano e o intangível, transitando entre a realidade e a imaginação.

Nem tudo se limita apenas a um roteiro, com a elaboração de uma narrativa contendo vários diálogos, a orientação sobre as ações que a atriz ou o ator devem realizar, o ponto culminante e outros elementos também estão incluídos no processo.

Foi uma interpretação linda. Trazer uma conotação de preguiça é reduzir todo o processo. Penso que precisamos deixar de lado as regras, pois o que realmente importa aqui é o que estamos sentindo. É uma obra que não agradará a todos, mas espero que, ao assistir, você consiga apreciar as palavras de Clarice e se desprender da ideia de como tudo deveria ter sido produzido.

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